Ritos em extinção: o conclave, a liturgia e a sociedade sem símbolos

0
5

Capitalnews –

Enquanto o mundo assiste ao início de um conclave, ressurge uma pergunta fundamental: o que restou do rito na vida moderna?

No último domingo (5), o Vaticano encerrou os nove dias de luto oficial pela morte do Papa Francisco.

A data foi marcada por uma missa em homenagem ao pontífice argentino. Conhecido como Novendial, o período de luto faz parte do protocolo tradicional da Igreja Católica.

O próximo papa será eleito em um conclave que começou nesta quarta-feira (7), na Capela Sistina, no Vaticano.

Quando se inicia um conclave, a humanidade assiste à permanência cerimonial de uma antiguidade viva.

O fechamento das portas da Capela Sistina, acompanhado do brado “Extra omnes”, não é apenas protocolo: é a instauração de um tempo outro – um tempo sagrado, fora do fluxo acelerado da história.

Ao eleger seu sumo pontífice, a Igreja revive séculos de tradição, símbolo e rito. Ali, a escolha não se reduz a técnica: consagra-se no silêncio, na repetição ritual, na fumaça que sobe como uma linguagem do mistério.

Essa liturgia não é apenas religiosa: é civilizacional. Desde os primórdios da vida coletiva, o rito foi o instrumento pelo qual comunidades ordenaram o caos, celebraram a vida e legitimaram o poder.

Mircea Eliade ensinou que todo rito é a reatualização de um tempo mítico, sagrado, que sustenta o mundo visível.

Para Émile Durkheim, os ritos não apenas expressam a coesão social: eles a produzem, criando pertencimento por meio de gestos partilhados e carregados de sentido.

No entanto, a modernidade tardia vive uma crise do rito. Como alerta Byung-Chul Han em “O Desaparecimento dos Rituais: Uma Topologia do Presente”, a sociedade da eficiência, da exposição permanente e da hiperconexão perdeu o gesto lento, solene, silencioso. Substituímos a comunhão pela comunicação, o sentido pelo dado, a celebração pela performance.

E assim, aos poucos, a sociedade vai se tornando uma multidão solitária.

René Girard já havia mostrado que o rito nasceu para conter o caos – canalizar a violência, mediar o conflito, fundar a paz. Ao abandoná-lo, abrimos espaço para a desintegração do simbólico. Sem rito, não há memória. E sem memória, não há futuro comum.

No campo político, vemos a transformação da liturgia da autoridade em espetáculo de poder. A posse, o juramento, o discurso solene — tudo cede lugar ao marketing instantâneo. Na família, o jantar se desfaz nas telas; o casamento, o luto e o batismo tornam-se eventos opcionais. O tempo se fragmenta, e com ele, o sentido da própria vida.

O conclave, nesse cenário, aparece como um lembrete incômodo e necessário. Lembrete de que o poder precisa de sacralidade; o tempo, de espessura; e a convivência, de linguagem simbólica. Não se trata de restaurar um mundo perdido, mas de compreender que nenhuma civilização subsiste sem os ritos que a sustentam.

Reaprender o valor dos gestos – públicos ou íntimos, políticos ou espirituais – pode ser um caminho não apenas para recuperar vínculos, mas para reencontrar a própria dignidade do humano.

*Leônidas de Oliveira
Doutor em Teoria da Arte e Arquitetura, arquiteto e Secretário de
Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

Obs. A nossa caixa de comentários está aberta mais abaixo, caso o leitor queira participar.

Artigo anteriorPaixão nacional: setor automotivo bate recorde de vendas e cria novas possibilidades de negócios
Próximo artigoCom novo valor, parque de diversões em Mundo Novo continua nesta semana

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui