A contratação de um plano de saúde no Brasil passou a ser um grande desafio para as famílias. A saúde é um dos pilares da vida, mas a dificuldade enfrentada para encontrar um plano de saúde individual ou familiar está deixando os brasileiros e brasileiras preocupadas. O principal problema é que essas modalidades estão progressivamente desaparecendo do mercado. As principais operadoras de planos de saúde têm concentrado suas ofertas em planos coletivos empresariais e planos coletivos por adesão, ambos com características que apresentam desafios significativos para os consumidores.
Vale destacar que os planos de saúde individuais ou familiares, historicamente, ofereciam uma alternativa viável e acessível para a população, permitindo que indivíduos e famílias pudessem acessar serviços de saúde de qualidade mediante o pagamento de mensalidades. No entanto, por uma série de tendência mercadológicas, observou-se uma retração desse mercado, com as operadoras alegando questões de sustentabilidade financeira e aumento dos custos assistenciais como justificativas para a descontinuação desses produtos. Assim, os consumidores foram obrigados a migrarem para planos coletivos, que possuem características distintas e que, em muitos casos, não atendem às necessidades específicas de cada indivíduo ou família.
Os planos coletivos empresariais exigem a vinculação a uma pessoa jurídica, o que implica que apenas empregados, sócios ou dependentes dessas entidades possam ser beneficiários. Essa exigência limita severamente o acesso a planos de saúde para trabalhadores informais, autônomos e outros segmentos da população que não possuem vínculo empregatício formal. Além disso, os planos coletivos empresariais frequentemente exigem a contratação de, no mínimo, duas vidas, o que pode ser inviável para pequenos empreendedores ou microempresários que desejam contratar um plano apenas para si e seus dependentes.
Já os planos coletivos por adesão, que são ofertados por intermédio de entidades de classe ou associações profissionais, embora permitam a inclusão de indivíduos que não possuem vínculo empregatício formal, impõem condições específicas de adesão e, em muitos casos, são voltados para categorias profissionais específicas, limitando a acessibilidade para o público em geral. Além disso, os reajustes de preços desses planos não são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que gera incertezas e preocupações quanto à previsibilidade e sustentabilidade financeira para os consumidores.
Outro ponto de destaque é a falta de regulamentação dos aumentos de preços nos planos coletivos. Diferentemente dos planos individuais, cuja regulação de reajustes é feita pela ANS, os planos coletivos estão sujeitos a negociações entre as operadoras e as empresas ou entidades contratantes. Essa ausência de controle rigoroso pode resultar em aumentos abusivos e imprevisíveis, onerando os consumidores e, em muitos casos, inviabilizando a manutenção do plano de saúde.
A análise jurídica das dificuldades enfrentadas pelos consumidores brasileiros na contratação de planos de saúde individuais ou familiares requer uma compreensão detalhada das dinâmicas de mercado e das normativas regulatórias vigentes. Inicialmente, é importante destacar que a oferta de planos de saúde individuais e familiares tem diminuído significativamente, enquanto os planos coletivos empresariais e por adesão têm se tornado mais prevalentes. Essa mudança no mercado é impulsionada por diversos fatores, incluindo a maior rentabilidade e a menor regulação dos planos coletivos, conforme será discutido a seguir.
O principal problema enfrentado pelos consumidores que buscam contratar planos de saúde individuais ou familiares é a falta de controle sobre os reajustes de preços nos planos coletivos. Nos termos do artigo 35-E da Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, os reajustes de preços dos planos individuais ou familiares são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Já nos planos coletivos, os reajustes são negociados diretamente entre as operadoras e as empresas ou entidades contratantes, sem necessidade de aprovação prévia pela ANS. Essa falta de regulação pode resultar em aumentos significativos e imprevisíveis, que muitas vezes ultrapassam a capacidade financeira dos beneficiários.
Além disso, a exigência de contratação de, no mínimo, duas vidas nos planos coletivos empresariais representa um obstáculo adicional. Indivíduos que não possuem dependentes ou que desejam contratar um plano exclusivamente para si encontram-se limitados em suas opções. Esta restrição força muitos consumidores a optarem pelos planos coletivos por adesão, que, como mencionado, também não possuem reajustes regulados pela ANS, aumentando a vulnerabilidade dos consumidores frente a aumentos de preços desproporcionais.
Outro ponto crítico é a transparência das informações fornecidas pelas operadoras de saúde. Muitos consumidores relatam dificuldades em obter informações claras e detalhadas sobre as condições e os custos dos planos coletivos, bem como sobre os critérios utilizados para os reajustes de preços. Esta falta de transparência pode levar a decisões mal informadas e aumentar a vulnerabilidade dos consumidores perante as operadoras.
A problemática se agrava quando se considera o impacto dessa dinâmica sobre pequenas e médias empresas. Estas empresas, que frequentemente possuem recursos limitados, encontram dificuldades para negociar condições favoráveis com as operadoras de saúde. Em muitos casos, são obrigadas a aceitar aumentos de preços elevados ou a reduzir a cobertura oferecida aos seus funcionários, comprometendo a qualidade do atendimento médico e aumentando a insatisfação dos beneficiários.
A ausência de regulação dos reajustes nos planos coletivos levanta também questões sobre a equidade no acesso à saúde. Consumidores com menor poder de negociação, como trabalhadores autônomos e profissionais liberais, são particularmente prejudicados pela falta de controle sobre os aumentos de preços. Isso pode resultar em uma cobertura inadequada ou na impossibilidade de manter um plano de saúde, exacerbando as desigualdades no acesso aos serviços de saúde.
Por fim, a redução na oferta de planos de saúde individuais e familiares representa um retrocesso significativo em termos de proteção ao consumidor. Esses planos, ao serem regulados pela ANS, ofereciam maior segurança e previsibilidade aos beneficiários, garantindo reajustes mais justos e condições contratuais mais transparentes. A migração para os planos coletivos, sem a devida regulação, expõe os consumidores a riscos e dificuldades que poderiam ser evitados.
Diante deste cenário, é crucial uma análise aprofundada das implicações jurídicas e econômicas dessa mudança no mercado. A responsabilidade das operadoras de saúde e o papel da ANS na regulação do setor devem ser considerados, bem como as possíveis medidas para assegurar a transparência, proteção dos consumidores, equidade no acesso aos serviços de saúde e a justiça nos reajustes de preços.
Além disso, é importante que sejam estudadas e implementadas propostas que visem aumentar a oferta de planos de saúde individuais e familiares, garantindo a diversidade de opções no mercado e a proteção dos consumidores. Medidas legislativas e regulatórias podem ser necessárias para reverter a tendência de extinção desses planos e assegurar que todas as modalidades de planos de saúde sejam acessíveis e justas para a população.
As dificuldades enfrentadas pelos consumidores na contratação de planos de saúde individuais ou familiares refletem uma série de desafios jurídicos e econômicos que exigem uma resposta coordenada e efetiva. A proteção dos consumidores e a equidade no acesso à saúde devem ser prioridades na formulação de políticas públicas e na regulação do setor de saúde suplementar, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso a serviços de saúde de qualidade e a preços justos.
Para abordar as mazelas enfrentadas pelos consumidores que desejam contratar planos de saúde individuais ou familiares, é imprescindível considerar também o papel da jurisprudência na interpretação e aplicação das normas regulatórias. O Poder Judiciário tem sido chamado a intervir em diversas situações de conflito entre consumidores e operadoras de saúde, especialmente em questões relacionadas aos reajustes de preços e à transparência das informações.
A jurisprudência brasileira tem reconhecido a vulnerabilidade dos consumidores e a necessidade de proteção contra práticas abusivas das operadoras de saúde. Decisões judiciais têm determinado a limitação de reajustes considerados abusivos e a obrigação de as operadoras fornecerem informações claras e detalhadas sobre os critérios de reajuste. Essas decisões são fundamentadas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu artigo 6º, inciso III, assegura o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Além disso, o artigo 51 do CDC considera nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Nesse sentido, os reajustes de preços que superem índices razoáveis e previsíveis podem ser contestados judicialmente, com base na argumentação de que tais práticas são abusivas e colocam o consumidor em desvantagem exagerada.
Outro aspecto é a questão da acessibilidade aos planos de saúde individuais ou familiares. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Embora os planos de saúde suplementar sejam operados por entidades privadas, o princípio da universalidade e da igualdade no acesso à saúde deve nortear a regulação e a oferta desses serviços.
A Lei nº 9.656/1998, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde, em seu artigo 1º, parágrafo único, dispõe que as operadoras de planos de saúde têm o dever de prestar informações adequadas e claras aos consumidores, bem como de adotar práticas comerciais e contratuais que respeitem os direitos dos beneficiários. No entanto, a prática de direcionar os consumidores para planos coletivos, sem a devida regulação dos reajustes, contraria esses princípios e compromete a acessibilidade e a equidade no acesso aos serviços de saúde.
Outro ponto relevante é a necessidade de uma maior articulação entre a ANS e outras entidades de defesa do consumidor, como os Procons e o Ministério Público. Essas instituições podem atuar de forma coordenada para fiscalizar as operadoras de saúde, promover ações coletivas em defesa dos consumidores e garantir a aplicação efetiva das normas de proteção ao consumidor.
A criação de mecanismos de mediação e arbitragem específicos para o setor de saúde suplementar também pode ser uma medida eficaz para resolver conflitos entre consumidores e operadoras de saúde de forma mais ágil e menos onerosa. Esses mecanismos podem ser regulamentados pela ANS e contar com a participação de representantes dos consumidores, das operadoras de saúde e de entidades de defesa do consumidor.
Portanto, diante desse cenário, é evidente que os consumidores brasileiros enfrentam um contexto desafiador e repleto de incertezas na contratação de planos de saúde. A extinção progressiva dos planos individuais e familiares, aliada às exigências e condições impostas pelos planos coletivos empresariais e por adesão, gera uma série de obstáculos que comprometem o acesso à saúde de qualidade. A proteção dos consumidores e a equidade no acesso aos serviços de saúde devem ser prioridades na formulação de políticas públicas e na regulação do setor de saúde suplementar, assegurando que todos os cidadãos tenham acesso a serviços de saúde de qualidade e a preços justos.
*Natália Soriani
Especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia