Exclusivo: Moro alerta que é preciso controle mais eficiente das fronteiras em MS

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ADVOGADOS. Sergio Moro apresenta palestra em conferência estadual nesta quarta-feira - Divulgação

O ex-juiz federal e ex-ministro de Justiça e Segurança Pública Sergio Moro participa nesta quarta-feira da abertura da 15ª Conferência Estadual da Advocacia de Mato Grosso do Sul, promovida pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado, onde fala sobre crime de lavagem de dinheiro.

Moro, que foi um dos principais magistrados com atuação na Lava Jato, concedeu entrevista exclusiva ao Correio do Estado, abordando temas diversos.

CORREIO DO ESTADO – Mato Grosso do Sul é um Estado onde prevalecem o tráfico e o contrabando. Por consequência, a lavagem de dinheiro. Qual seria a estratégia para fazer frente a essa modalidade de crime?

SERGIO MORO – Não existem segredos. É preciso melhorar o combate ao crime por meio de uma maior integração entre as diversas agências policiais e órgão de inteligência. Criar centros de integração com a Polícia Federal, PRF, polícias estaduais, Receita Federal, UIF, Forças Armadas, tudo para agilizar o compartilhamento de dados e facilitar ações conjuntas.

No período que estive à frente do Ministério da Justiça, criamos um centro de integração pioneiro em Foz do Iguaçu, baseado nos Fusion Centers norte-americanos.

É preciso tornar mais eficiente e rígido o controle das regiões de fronteira. Foi exatamente o que fizemos por intermédio do Programa Vigia, equipando e treinando as forças policiais locais.

Mas existe ainda muito a fazer para enfrentar esse problema que se arrasta há décadas. É preciso vontade política, planejamento e investimento em projetos sérios e bem formulados. Só assim será possível resolver o problema e trazer mais segurança a Mato Grosso do Sul.

Acha que ainda há muita demora entre a apreensão de bens oriundos do crime e a realização de leilões? É possível tornar o procedimento mais célere?

Antigamente a lei não permitia. Hoje a lei autoriza a venda de qualquer bem antecipadamente. Falta um pouco de desenvolvimento prático e uniformização de procedimentos.

No Ministério da Justiça, ainda sob meu comando, atribuímos à Secretaria Nacional Antidrogas [Senad] a condução desse importante trabalho. A nossa decisão se mostrou acertada, tanto que o resultado prático vem se mostrando bastante positivo. Ano passado, arrecadamos no Funad [Fundo Nacional Antidrogas] cerca de R$ 100 milhões.

A meta era chegar em 2022 com R$ 500 milhões por ano arrecadados. Um recurso que seria investido em novas ações de repressão ao tráfico de drogas, contrabando e pirataria, atingindo em cheio o crime organizado.

Nota-se, ainda hoje, a falta de estrutura para as polícias Federal e Rodoviária Federal nas fronteiras com a Bolívia e Paraguai, além do efetivo insuficiente. Como um ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, qual a sua análise do desinteresse do governo em atacar de vez esse problema?

Uma das minhas prioridades era atacar esses problemas, principalmente com abertura e ampliação dos concursos para Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal em 2019 e 2020.

Chegamos a realizar os primeiros concursos e já havíamos conseguido autorização e planejado os outros com significativo aumento de vagas. O efetivo dessas duas importantes corporações está ainda abaixo do ideal.

Agora é uma ilusão achar que é possível e viável um controle absoluto sobre todas as fronteiras. O Brasil tem uma imensa linha fronteiriça, boa parte cortada por rios, florestas e territórios inabitados. Nem os Estados Unidos, com todos os seus recursos financeiros e fronteiras menores, conseguem.

Nós temos que intensificar o controle, investir em recursos humanos, materiais, tecnologia e atuar principalmente com operações de inteligência e planejamento.

Curitiba e Campo Grande foram cidades estratégicas para implantação de varas judiciais para combater a lavagem de dinheiro obtido pelo crime organizado, por meio de crimes de tráfico e corrupção. Conte-nos sobre atuação, uma vez que as polícias do Paraná e de Mato Grosso do Sul sempre atuaram de forma integrada para combater estas organizações.

A Polícia Federal do Paraná e a de Mato Grosso do Sul sempre foram muito ativas no combate ao crime organizado e ao crime de tráfico de drogas e de armas.

Como juiz federal, tive, antes da Lava Jato, diversos casos grandes de tráfico e de grupos criminosos organizados. Penso que a especialização de varas judiciais no combate a esse tipo de crime ajuda para que os processos corram mais rapidamente e para uma gestão eficiente dos casos penais.

A seu ver, o aumento de pena, em vez de penas brandas, poderia desestimular esse tipo de delito?

As penas previstas para o tráfico internacional de drogas já são, em geral, elevadas. O mais importante é a eficiência na sua aplicação, o que exige a integração das forças estaduais e federais de segurança e investigação em conjunto com o Ministério Público e a Justiça.

Precisamos ainda adquirir a cultura de identificar as lideranças criminosas e isolá-las em presídios federais de segurança máxima, cortando sua comunicação com os cúmplices do lado de fora.

Ao longo de minha gestão no Ministério da Justiça, concentramos esforços para alterar a legislação que trata do tema, no âmbito da Lei Anticrime, e conseguimos intensificar essas transferências com muita rapidez e segurança.

Sobre os incêndios no Pantanal, acredita que cabia uma atuação mais incisiva e preventiva por parte do governo federal? Você vê alguma similaridade entre a questão ambiental e a pandemia?

Esses incêndios, além de destruírem a vegetação e colocarem em risco os animais da região, prejudicam a imagem do Brasil no exterior, dificultam as nossas relações diplomáticas e criam obstáculos para nossas exportações agropecuárias.

O Pantanal é um dos mais importantes biomas brasileiros e do mundo, protegido pela nossa legislação. Temos que preservar o meio ambiente para as gerações futuras e discutir formas de estimular desenvolvimento sustentável.

É perfeitamente possível conciliar os interesses do setor agropecuário com os de agências ambientais e segmentos preservacionistas da sociedade. Setores do governo têm demonstrado interesse público em combater crimes ou tragédias ambientais, como o vice-presidente Hamilton Mourão.

O problema é a falta de um discurso claro contra o desmatamento e contra as queimadas por parte de quem ocupa hoje a chefia do Poder Executivo. Essa omissão prejudica a capacidade de o governo se comunicar de forma transparente e educativa com a sociedade, desestimulando a conservação ambiental por parte da população.

A Polícia Federal realizou uma operação que descobriu vários incêndios criminosos no Pantanal. Quando esteve à frente do Ministério da Justiça, como a pastava lidava com os crimes ambientais? Havia uma certa resistência de outros setores do governo?

Inicialmente, focamos a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado e na continuidade dos esforços contra a corrupção.

Quando percebemos a escalada dos crimes ambientais, coordenamos junto das Forças Armadas e com o apoio do vice-presidente ações de investigação e repressão. Determinei até a criação de uma força-tarefa contra crimes ambientais na Amazônia. Não é uma tarefa fácil, tendo em vista a extensão da área de floresta.

Mas sempre tivemos projetos para atacar os crimes ambientais. Por isso, sempre enfatizo a importância de todos os setores falarem a mesma língua, de reprovação ao desmatamento ilegal e às queimadas, e nisso o governo é falho.

Ademais, é inviável controlar destruição ambiental somente com repressão. São necessárias políticas sérias de incentivo ao desenvolvimento sustentável, sempre ouvindo os setores envolvidos.

Ações de estímulo, com educação e apoio ao desenvolvimento sustentável, podem ter efeitos mais robustos do que as de repressão.

O Projeto Vigia, criado durante sua gestão no Ministério da Justiça, é responsável pela apreensão de mais de 600 toneladas de drogas somente em Mato Grosso do Sul. Comente a iniciativa, e como ela pode evoluir ainda mais?

O Programa Vigia tinha foco na integração entre as forças policiais e na utilização da polícia local, com treinamentos especiais e estímulos com gratificação, para fortalecer o controle das fronteiras.

Além disso, buscamos equipar a polícia da região com equipamentos modernos, inclusive de comunicação e monitoramento.

Até a minha permanência no Ministério da Justiça e mesmo depois, até onde sei, o legado do nosso projeto tem gerado resultados expressivos na apreensão de drogas e contrabando.

Ainda há esperança de que a prisão em segunda instância se torne uma realidade no Brasil?

Para que isso ocorra, é necessário vontade política, sobretudo engajamento do Poder Executivo.

Quando estava no governo, eu era a única voz que se pronunciava pela necessidade de manutenção da prisão em segunda instância e depois pela aprovação da PEC 199 para restabelecê-la.

É incompreensível a omissão do Palácio do Planalto sobre o tema, já que é importantíssimo para o combate ao crime organizado e para atacar a corrupção e conter o desvio de recursos públicos.

No momento, por falta de empenho desse governo, parece muito improvável a aprovação da medida. Mas eu sou otimista e acredito que as coisas mudam com o tempo.

Você avalia que há falta de vontade política sobre esse assunto?

Sem dúvida! Há uma ilusão por parte de uma minoria poderosa de que o sistema de Justiça criminal deve ser enfraquecido, alegando supostos abusos ou extrapolação de poder.

O problema é que nunca conseguem comprovar de forma clara esses alegados problemas. Para um pequeno grupo envolvido com problemas na Justiça e até acusados de corrupção, é uma questão de autopreservação.

Mas quando se enfraquece a Justiça, a consequência é o igual enfraquecimento do respeito à lei, com o favorecimento das infrações e dos crimes em benefício de criminosos de toda a espécie, como foi o caso recente desse megatraficante solto por uma liminar baseada em uma controversa medida legislativa que deveria ter sido vetada.

Se a prisão em segunda instância estivesse em vigor, ele ainda estaria atrás das grades e a sociedade protegida.

E como estão os projetos políticos para as próximas eleições presidenciais? Há possibilidade de uma candidatura?

São somente especulações. Saí do governo por discordar da condução política e dos rumos atuais, e não posso voltar à magistratura federal.

Portanto, seguirei no setor privado e, como cidadão, sendo uma voz no combate à corrupção e ao crime organizado e tentando contribuir de alguma forma para o fortalecimento das leis e das instituições de Estado que lutam contra os desvios de recursos públicos.

É importante destacar que diminuir a corrupção significa aumentar a eficiência dos serviços públicos, como de saúde, segurança e educação, melhorar a produtividade da economia e igualmente fortalecer a democracia.

O dinheiro público que hoje é desviado para o bolso dos corruptos, com medidas eficientes, poderia ser devolvido para a população em forma de benefícios como melhores hospitais.

Frequentemente, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta – daqui de Mato Grosso do Sul – o elogia e fala do bom convívio entre vocês. Se você se candidatasse, ele seria um bom companheiro de chapa, ou pelo menos um aliado político?

O ministro Mandetta teve um desempenho importante durante sua gestão no Ministério da Saúde contra a pandemia e contra a política negacionista do Planalto.

Temos cerca de 160 mil vítimas. É uma tragédia humana, infelizmente. Com todas as incertezas que cercam o novo vírus, não podemos fechar os olhos para a ciência ou agir de maneira irracional contra elas.

Posso dizer que admiro a forma séria como o ministro Mandetta conduziu seu trabalho à frente das ações contra a pandemia.

Era e é importante, na época e agora, a comunicação clara sobre a gravidade da doença e o diálogo com os governadores e prefeitos para unir o País contra os desafios decorrentes da pandemia, inclusive quanto às consequências econômicas.

Já quanto à questão eleitoral, trata-se de mera especulação.

 

Fonte: CorreioDoEstado

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