Como é a rotina de um adolescente que fica até 3 anos em uma Unei

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Adolescentes dentro da sala de aula, após a semana de prova. (Foto: Ana Paula Chuva)

No KM 309 da BR-262, saída para Três Lagoas, em Campo Grande, a entrada discreta e a placa apagada não chamam muita atenção para o prédio da Unei (Unidade Educacional de Internação) Dom Bosco, que atualmente abriga 94 adolescentes entre 13 e 21 anos.

Os internos muitas vezes conhecidos pelos relatos dos atos infracionais cometidos, ficam ali de seis meses a 3 anos. E diferente do que muitas vezes é pensado, a pena para adolescentes infratores tem um caráter socioeducativo, o foco da internação é fazer com que esse adolescente repense suas atitudes e volte reeducado para o convívio social.

Na unidade fui recebida pelo diretor-adjunto Ricardo Lopes Lima e sua equipe, em duas horas e meia de conversa, perdi as contas de quantas vezes foi mencionada a palavra educação, carro chefe na ressocialização dos menores ali.

Entrada da Unei Dom Bosco na BR 262. (Foto: Ana Paula Chuva)

Ricardo explicou que ao chegar na Unidade, o adolescente passa por uma entrevista prévia, uma revista corporal e pertences para que seja realizada a triagem. Já no começo da internação o menor é encaminhado para uma equipe técnica composta por psicólogo e assistente social, que fara o acompanhamento durante todo o período que ele permanecer ali.

Facções são extremamente repudiadas no local, por isso a triagem é feita com todo cuidado. “A gente procura colocar o adolescente onde for mais adequado, já tivemos problemas aqui de motim, então não podemos aceitar facção aqui dentro. Se a gente deixar vira um sistema prisional, e essa não é a ideia da unidade. Eles não podem ditar o que fazem, a facção é isso. Então evitamos problemas pessoais, até mesmo para manter a integridade de todos. Por isso colocamos eles na ala onde tiver a menor chance de conflito”, explicou.

Na unidade são quatro alas – A, B, C e D – e a distribuição dois internos é feita de forma a prezar a integridade desse adolescente, através da triagem pelo ato infracional e faixa etária.

Orgulhoso, Ricardo conta que na unidade 100% dos internos estão em sala de aula – sim eles estudam e assim como nas áreas rurais as turmas são multisseriadas, ou seja, divididas em 1º ao 5º; 6º ao 9º e ensino médio. “Depois da triagem o adolescente é imediatamente matriculado na escola. Hoje estamos com os 94 internos em sala de aula. Temos em paralelo quatro já formados no ensino médio, inscritos no Sisu”.

Há 15 anos trabalhando na Unei e hoje fazendo parte da direção, ele ressaltou como a integralidade da educação tem ajudado nos índices e nos relatórios dentro da unidade. “Nós caímos 40% nos casos de reincidência. Na medida do possível estamos trabalhando para devolver esse adolescente para o convívio social sem que ele volte para o crime”, disse.

De manhã são ministradas as aulas para as turmas das alas B e D, e a tarde para as turmas das alas A e C, e somadas ao banho de sol e atividades desenvolvidas a maior parte fica solta durante todo o dia. “Aqui o trabalho é diferente, nós assistimos esse adolescente. Nós cuidamos. Hoje 80% da unidade fica solta o dia todo, entre aulas, banho de sol, trabalhos desenvolvidos. Aqui a gente acompanha esse adolescente.Houve a cultura de que precisava manter o interno preso, mas muita rebelião e motim mostrou que o que esse adolescente precisa de ocupação. Tanto é que estamos há 3 anos sem motim”, ressalta Ricardo.

“Aqui somos agentes de segurança socioeducadores, precisamos explicar pro adolescente o porquê de ir pra aula, mostrar que ele precisa cumprir normas e regras para se readequar, precisamos atuar como seguranças para impedir que um machuque o outro. É um trabalho muito complexo”, explicou.

Ricardo, há 15 anos trabalha na unidade e hoje atua como diretor-adjunto. (Foto: Ana Paula Chuva)

Além das aulas na escola, hoje 11 adolescentes participam do curso de medidas de aprendizagem e três formados em um curso de cabeleireiro. Há também a horta cuidada pelos próprios internos e usada na alimentação diária, que é toda produzida dentro da unidade.

“Nós queremos diminuir a ida desse adolescente para a criminalidade na maior idade. Aqui não é o ensino médio do crime. No final do ano apresentamos os trabalhos feitos. É uma rotina normal para o adolescente, e isso mostra que ele pode retornar para a sociedade e viver bem”, diz.

O diretor-adjunto explicou que para o adolescente sair da unidade e voltar para o convívio os relatórios enviados à Justiça contam muito e não basta só o bom comportamento, eles precisam frequentar as aulas, fazer o acompanhamento médico, no caso do adolescente viciado em algum entorpecente passar pela reabilitação. “Com a medida socioeducativa, o relatório pode ser bom e aí o juiz entende que ele pode cumprir em LA que a liberdade assistida. Isso incentiva o adolescente, não trabalhamos com a remissão. Nós trabalhamos com regras e valores de conduta”.

Família

Além de toda a rotina, os internos têm o tempo de falar com a família, no meio da semana uma ligação é feita e cada um tem o período de três minutos ao telefone e aos sábados e domingos as visitas ocorrem dentro da unidade. “Nós sabemos que o convívio familiar é importante, e por isso não privamos o adolescente disso. Até nos casos nocivos nós atendemos, não nos cabe o direito de privar o menor da família. Tem caso de a gente levar o adolescente até o presídio feminino para visitar a mãe, não é obrigação, mas sabemos que a família é importante”, ressalta Ricardo.

A unidade tem estrutura para 80 presos, atualmente existem 14 a mais, dois aguardam laudo psicológico por precisarem de atendimento psiquiátrico, já que apresentam traços de esquizofrenia e bipolaridade, e por isso vivem isolados do convívio com os demais, além de mais um interno acusado de ato infracional análogo ao estupro, mas que também tem aulas.

Mas com os problemas estruturais e a falta de adequação, a unidade conta apenas com 68 alojamentos, 26 a menos do que a demanda.

Acompanhamento médico

A saúde dos internos fica aos cuidados de três enfermeiros que atendem através de revezamento para administrar medicamentos controlados e prestar primeiros socorros. Mas em casos mais graves o menor é levado até uma unidade municipal de saúde, já que pelo preconceito, os médicos chegam a pedir demissão quando direcionados para atender no local.

Espiritualidade

Duas igrejas fazem trabalho na unidade e para Ricardo a espiritualidade auxilia muito na reeducação desses infratores, mas o combinado é que não se fale de religião. “A espiritualidade é muito bem-vinda aqui. Eles respeitam e aceitam muito e a presença da igreja ajuda manter um clima tranquilo aqui”, explicou.

Atividades esportivas

Na sala da direção é possível ver vários troféus, de acordo com Ricardo há um tempo atrás a estrutura permitia os campeonatos entre as unidades de internação, e a Dom Bosco foi campeã em alguns deles, hoje pela limitação de recursos o que eles fazem que tem ajudado muito com os internos são os campeonatos entre equipe de agentes, professores e adolescentes.

E para os internos?

Aos 17 anos, José* está na unidade há 8 meses por ter se envolvido no tráfico. Segundo ele, ver os outros com dinheiro fez ele entender que a atividade seria lucrativa. “Me envolvi em ideia errada né? Mas aqui na unidade eu entendi que não tava certo. Minha família passou muita raiva, agora eu quero dar orgulho para minha mãe. Aqui eu trabalho, estudo, jogo meu futebol com os agentes. Lá fora eu nem ia na escola né”, contou.

Ele que tem se destacado dentro da unidade através dos relatórios bons, teve o direito de passar um domingo em casa, o que para ele foi essencial. “Eu gosto de estar aqui, mas ir para casa foi muito bom né. Ver a confiança que as pessoas têm em mim é bom. É importante. Não quero mais essa vida de dinheiro fácil não, não é certo. Bem melhor trabalhar e ficar de boa. Agora eu quero trabalhar dar orgulho para minha família. Vou sair daqui já tenho um emprego e agora é só trabalhar e ter uma profissão mais pra frente”, afirmou.

DEAIJ

Em conversa com o Jornal Midiamax, a delegada Ariene Nazareth Murad de Souza titular da DEAIJ (Delegacia de Atendimento a Infância e Juventude), explicou que ato infracional é toda conduta cometida por um adolescente – dos 12 aos 17 anos – que seja equiparada a crime ou contravenção penal.

Ela contou que ao chegar na delegacia para esclarecimentos é formalizado um auto de apuração de ato infracional desse adolescente onde são colocados os indícios de autoria e materialidade, que será encaminhado ao juízo onde serão aplicadas as medidas socioeducativas previstas no ECA.

Delegada Ariene, titular na DEAIJ. (Foto: Gabriel Torres)

Ariene explica que no ano de 2019 o tráfico de drogas vem sendo o carro chefe na apreensão dos adolescentes. Diferente de 2018 onde o ranking era liderados pelas ameaças e lesões. “A gente percebe que os adolescentes são muito aliciados, inclusive por facções para o ato do tráfico de drogas”.

Na delegacia os adolescentes são ouvidos apenas acompanhados por um responsável legal e encaminhados para o juízo. Nenhum permanece no local, ela ressalta.

Segundo os dados levantados pela delegada, atualmente em Campo Grande são 17 adolescentes na Unei Novo Caminho – unidade de internação provisória – 94 na Unei Dom Bosco – onde ficam até 3 anos. Ela afirma que 81% dos adolescentes internados são meninos, e a maioria tem ente 15 e 17 anos.

A delegada cita ainda a importância da sociedade nas denúncias em qualquer conduta infracional do adolescente. “A finalidade da medida socioeducativa é reeducar esse adolescente. Se eles se agridem na porta da escola, a delegacia precisa ser informada. Todos atos infracionais são públicos não dependem de representação da vítima, qualquer pessoa pode notificar o ato praticado pelo adolescente”, conclui.

Sejusp

Jornal Midiamax entrou em contato com a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) solicitando os dados estaduais sobre as unidades de internação, mas até a publicação não houve retorno da instituição.

Fonte: MidiaMax

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