Foi de Paulo César Turra a missão de iniciar os trabalhos da comissão técnica chefiada por Luiz Felipe Scolari no Palmeiras. Braço direito do experiente treinador, o ex-zagueiro fala com orgulho do processo de construção da identidade do elenco que terminou com o título do Campeonato Brasileiro.
Na última semana de treinamentos antes do fim do torneio nacional, Turra concedeu entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva. “O Palmeiras tinha uma estrutura fantástica, com jogadores fantásticos, mas carecia de uma identidade”, observou o gaúcho de Tuparendi.
Com passagem pelo Palmeiras como zagueiro, Turra é 25 anos mais novo do que Felipão e jogou futebol até 2007. Um dos auxiliares ao lado de Carlos Pracidelli, ele oxigenou a comissão técnica do septuagenário treinador, que antes tinha Flavio “Murtosa” Teixeira como escudeiro.
Admirador de Felipão, a quem chama respeitosamente de “professor”, Paulo Turra defendeu o futebol vertical praticado pelo Palmeiras no Campeonato Brasileiro. Ele falou ainda sobre o período em que teve Tite como treinador e projetou a evolução do clube alviverde em 2019.
Gazeta Esportiva: Você e o Carlos Pracidelli chegaram ao Palmeiras antes do Felipão e iniciaram os trabalhos da nova comissão técnica. Na época, quais foram suas primeiras impressões?
Paulo Turra: Viemos uma semana antes do professor e fomos bem recebidos. A gente já conhecia o Palmeiras e seus atletas. Por isso, tínhamos uma ideia do modelo de jogo que implantaríamos e os atletas foram extremamente receptivos. Chegamos convictos daquilo que o grupo poderia dar de retorno e, para nossa felicidade, dentro do sistema que é o nosso preferido. Sabíamos que a verticalidade implantada no time teria sucesso.
Gazeta Esportiva: Naquele começo, o que te levou a ter essa convicção?
Paulo Turra: Em sua maioria, os jogadores do Palmeiras se encaixam dentro desse perfil. Chegamos e não inventamos nada. Nós, que trabalhamos no futebol, estudamos, analisamos e conversamos muito. Eu, o professor e o Carlão conversamos bastante. Com o Murtosa, também. Ele não veio, mas dialogamos muito no nosso grupo de Whatsapp. Então, sabíamos que as possibilidades de sucesso dentro dessas características seriam bem maiores e foi o que aconteceu. O mais importante do líder, do treinador, é conseguir detectar logo as características dos atletas e montar o modelo de jogo.
Gazeta Esportiva: Você falou do grupo de Whatsapp. O Murtosa chegou a dar algum pitaco sobre o Palmeiras?
Paulo Turra: Por ser a pessoa que é, o Murtosa não fala muito sobre nosso time. Mas, nesse grupo, conversamos muito sobre futebol, ideias, jogos. “Você viu aquele jogo? O que achou de tal partida?”. Especificamente sobre o Palmeiras, ele não fala. Mas é um grupo bem interessante, no qual trocamos muitas ideias.
Gazeta Esportiva: Nas suas redes sociais, além do aspecto mental, você costuma valorizar muito o termo “identidade”. Qual é a identidade do Palmeiras?
Paulo Turra: O Palmeiras tinha uma estrutura fantástica, com jogadores fantásticos, mas carecia de uma identidade. Essa identidade, a princípio, seria dentro de campo. Hoje, temos um time que joga muito na vertical, encurta os espaços, faz coberturas na horizontal e na vertical. É uma equipe que se entrega, que não tem uma formação considerada titular. Todos são titulares, porque todos jogam. Aos poucos, isso foi englobando todo o ambiente. Respeitamos a hierarquia. O professor é superior a nós e a gente respeita. Ele sai primeiro do ônibus, entra primeiro no ônibus. É uma série de coisas. Os jogadores, inteligentes e experientes que são, veem essas referências e também vão fazendo. A identidade já está em torno do clube, do ambiente que vivemos.
Gazeta Esportiva: Essa identidade está simbolizada no painel de fotos que vocês montaram, com valores como intensidade, persistência, fé, respeito…
Paulo Turra: O painel tem fotos de todo o grupo de trabalho, não só dos jogadores. E foi sendo montado aos poucos, a partir do jogo contra o Internacional, em Porto Alegre. Fica no vestiário e, quando os atletas entram, todos veem. Levamos para todas as partidas.
Gazeta Esportiva: Vocês chegaram no meio da temporada e conseguiram ganhar o grupo rapidamente. Quão importante foi a figura do Felipão nesse processo?
Paulo Turra: O professor é a inspiração para todo o mundo. Quando ele entra por uma porta, o cara pensa: ‘chegou o Felipão’. Só com esse aspecto, você já tem muito mais credibilidade no que fala. Para nós, que trabalhamos com ele na comissão técnica, é espetacular. Então, você imagina para os jogadores que veem um senhor de 70 anos com toda a vitalidade e energia que ele tem. (O pensamento é) Vamos ganhar, vamos ganhar e vamos ganhar. Com a chancela de um grande currículo de títulos e títulos. É espetacular, além da experiência, do feeling e dos métodos de trabalho que ele tem. Gerencia muito bem. Eu e o Carlos somos um apoio, mas as ideias são todas dele. É o mentor de tudo.
Gazeta Esportiva: O rodízio intenso de jogadores, com a formação de praticamente dois times diferentes, também foi importante.
Paulo Turra: Os atletas sabem do potencial que têm, sabem que são muito bons e que só jogam 11. Com essa ideia que o professor teve, deixou todo o mundo contente e valorizado. Uns jogavam no domingo e, outros, na quarta. Isso valorizou a todos, independentemente da competição. Eu, quando jogava, gostaria que fosse assim. E o professor teve a capacidade, a competência e a coragem, em se tratando de Brasil, de implementar.
Gazeta Esportiva: O Dudu foi protagonista do título brasileiro, mas não fazia uma boa temporada até a chegada da nova comissão técnica. Como ele enfim deslanchou?
Paulo Turra: O Dudu tem toda uma história no Palmeiras e fez gols importantes, mas acredito que o grupo todo foi importante para dar certo. Se o coletivo é forte, as individualidades vão aparecer. Um dia, o Dudu. No outro, o Willian, o Deyverson, o Antônio Carlos, o Gustavo Gomez… Mas, se você não tiver o conjunto forte, essas individualidades não aparecem.
Gazeta Esportiva: Você fala com reverência sobre o Felipão. Quando exatamente começou sua admiração por ele?
Paulo Turra: Sempre fui fã do professor. Desde a época em que eu era atleta e ele, treinador do Grêmio. O estilo de jogo que ele gosta, também gosto. Minha vinda ao Palmeiras como zagueiro foi por indicação do Murtosa, mas com o carimbo do professor. Do Palmeiras, fui a Portugal (para defender o Boavista). Quando eles foram contratados pela seleção portuguesa, eu já estava lá. Aí, estreitamos nosso laço de amizade. Ele e o Murtosa me ligavam para perguntar sobre alguns jogadores, inclusive da minha equipe. Trocávamos muitas informações e experiências. Em 2011, fiz um estágio com eles no Palmeiras. No momento em que o professor voltou ao Grêmio depois da Copa do Mundo, ficamos ainda mais próximos. Em outubro de 2016, ele me convidou para trabalhar como auxiliar na China e prontamente aceitei.
Gazeta Esportiva: Embora vocês gostem do mesmo estilo de jogo, é claro que não pensam exatamente da mesma forma. Você é 25 anos mais jovem, estava jogando futebol até 2007. Acha que, com seu trabalho, acabou dando uma oxigenada na comissão técnica do Felipão?
Paulo Turra: Dentro dos cursos da CBF, vamos evoluindo, aprendendo e trocando ideias com os profissionais que estão lá. Gosto do mesmo modelo de jogo do professor, mas, alguns princípios de treino, tenho diferentes. O professor já sabia disso quando me convidou e deu total autonomia. Dentro disso, com certeza a gente acrescenta bastante. Por exemplo: eu estou sempre correndo pra lá e pra cá dentro do campo na hora do treino. É uma maneira diferente de trabalhar e acho que ele fica motivado de ver. Mas é sempre sob coordenação dele, as ideias são todas vindas dele.
Gazeta Esportiva: A imprensa pôde ver pouco dos treinamentos do Felipão. Qual é exatamente o seu papel no dia a dia?
Paulo Turra: O professor dá autonomia a mim e ao Pracidelli. A gente elabora os treinos, juntamente com o professor, e também aplicamos, na maioria das vezes. Já saímos do vestiário com tudo programado, dentro das características da nossa equipe e do adversário. Dificilmente tivemos treinos com limitação de dois ou três toques, como a maioria faz. Em 95% das sessões, sempre deixamos toques livres, com o jogador à vontade. Os treinos foram sempre em cima das ações que acontecem no jogo. Durante as partidas, fico junto com o professor no banco e o Carlos observa dos camarotes, com fone de ouvido. Eu e o Carlos conversamos bastante e passo as informações que são necessárias ao professor. É um trabalho de equipe, coordenado pelo professor.
Gazeta Esportiva: Em 2000, você foi o capitão do Caxias na conquista do Campeonato Gaúcho, o primeiro título do Tite. Tem alguma coisa daquele Tite que hoje é útil para você?
Paulo Turra: O profissional inteligente aprende e tira de todo o mundo. É lógico que meu modelo de jogo se assemelha muito ao que o professor Felipe pratica: a verticalidade, com marcação intensa, blocos para atacar e defender bem compactos. O Tite já trabalha um pouco diferente. Em 2000, ele tinha uma parte tática bem evoluída e era muito exigente. Já fazia o (treino) invisível que faz até hoje. Isso, foi uma das coisas principais: a organização tática tanto com a bola, quanto sem a bola.
Gazeta Esportiva: Depois de jogar no Caxias, você teve uma passagem como zagueiro do Palmeiras, marcada pelo título da Copa dos Campeões de 2000. Quais suas principais lembranças do período?
Paulo Turra: Minha passagem como atleta foi muito boa e vitoriosa. Cheguei aqui mais ou menos como agora e, em 30 dias, fui campeão da Copa dos Campeões, torneio classificatório à Libertadores do ano seguinte. Nas oitavas de final do Campeonato Brasileiro, eliminamos o São Paulo dentro do Morumbi. Depois, no ano seguinte, chegamos até a semi da Libertadores, algo que o clube repetiu só em 2018. Não era titular absoluto, mas joguei bastante e até fiz alguns gols, o que não era muito fácil. Depois, fui a Portugal e tive cinco anos muito bons. Disputei a Champions contra grandes clubes e fui semifinalista da Taça Uefa. Graças ao Caxias e ao Palmeiras, dei uma decoladinha.
Gazeta Esportiva: Você imagina que, na temporada de 2019, com mais tempo para trabalhar e a chance de indicar reforços, a tendência do Palmeiras é melhorar?
Paulo Turra: É o processo de evolução e a gente acredita que sim. Temos muitas situações de treino para trabalhar e, automaticamente, passar para o jogo. Como nesses quatro meses não tivemos muito tempo para treinar, ficamos um pouco restritos quanto a isso. Tenho certeza que vamos evoluir bastante, até porque os jogadores já estão mais adaptados. Nosso modelo de jogo não é fácil para o atleta, porque exige muito da parte física e mental. Precisa atacar com velocidade, verticalidade, em um jogo muito direto, e recompor com bastante rapidez. Eles estando mais adaptados, a tendência é melhorar.
Gazeta Esportiva: Antes de atuar como auxiliar do Felipão, você trabalhou como técnico. Tem algum prazo para retomar a carreira solo?
Paulo Turra: Eu vou ser treinador. Agora, enquanto o professor me quiser ao lado dele, continuo. Quem acompanha o professor Felipão no dia a dia vê a energia que ele passa e sabe que tem muito mais tempo de vida profissional.