Para promotores, havia uma ‘rede de serviços e favores’ montada para o ex-governador
RIO — Uma atuação em conjunto do Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) e do Ministério Público Federal (MPF) destrinchou as regalias proporcionadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) na cadeia e resultou em duas frentes: o pedido para que o secretário estadual de Administração Penitenciária, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, e outros cinco gestores do órgão sejam afastados e a solicitação de transferência de Cabral para Curitiba.
INFOGRÁFICO: Linha do tempo das denúncias contra Sérgio Cabral
Na ação relativa ao afastamento, a que O GLOBO teve acesso com exclusividade, o MP-RJ acusa os dirigentes da secretaria e o próprio ex-governador de improbidade administrativa em função de benefícios como visitas fora dos horários determinados; a instalação de um home theater; irregularidades nas celas, exemplificadas pela presença de equipamentos de musculação e a disponibilidade de alimentos em condições fora das determinadas; remédios sem prescrição; e a livre circulação pela Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, o que permitiu a Cabral receber entregas na área externa do presídio — o encontro com um entregador, ferindo as normas do sistema prisional, foi registrado pelas câmeras do circuito interno.
Durante o período em que ficou preso em Bangu, os promotores destacam ainda que Cabral contava com a “escolta” de agentes penitenciários e alguns presos. Para o MP-RJ, havia uma “rede de serviços e favores” montada a favor do ex-governador. O processo, que está na 7ª Vara de Fazenda Pública, foi ajuizado pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP-RJ.
Já a ação do MPF, que pede a transferência de Cabral para Curitiba, está na 7ª Vara Federal Criminal, cujo titular é o juiz Marcelo Bretas.
Além de Costa Filho, a ação de improbidade e o pedido de afastamento se estendem ao subsecretário adjunto de Gestão Operacional da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), Sauler Antônio Sakalen; o diretor de Bangu 8, onde Cabral já esteve preso, Alex Lima de Carvalho; o subdiretor de Bangu 8, Fernando Lima de Farias; o diretor do presídio de Benfica, Fábio Ferraz Sodré; e o subdiretor da penitenciária em Benfica, Nilton César Vieira da Silva. O MP-RJ sustenta que, caso permaneçam nos cargos, as regalias podem continuar, além da possibilidade de que os dirigentes determinem a “ocultação e destruição de provas”.
CELULAR NA CADEIA
Durante uma fiscalização feita no presídio em novembro de 2017, os promotores colheram diversas provas das vantagens indevidas disponibilizadas a Cabral e a outros presos da Lava-Jato. Um dos pontos citados no processo é o estoque de remédios que ficava à disposição dos detentos, sem prescrição médica. De acordo com o MP-RJ, o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes, preso em Benfica desde abril do ano passado, revelou um meio inusitado para a aquisição dos medicamentos: “Por seu absurdo, o interno Sérgio Côrtes informou que os medicamentos foram obtidos através de médicos conhecidos contatados por meio do aplicativo Whatsapp”, escreveram os promotores.
O Ministério Público destacou ainda que o próprio subsecretário de Gestão Operacional afirmou em depoimento, no curso do inquérito, que “objetos de academia encontrados na galeria C (durante a vistoria) não são permitidos” e que “quanto ao micro-ondas, só pode ser utilizado no pátio de visitas”.
A instalação de um home theater, com uma televisão de 65 polegadas, também serviu de base para a acusação do MP-RJ. A investigação aponta que Cabral e outros presos compraram o equipamento e fraudaram a doação por meio da Igreja Batista do Méier, com a anuência da direção do presídio. Em depoimento aos promotores, a missionária Clotilde de Moraes, que assina o termo de doação, explicou a operação comandada pelo ex-governador. Segundo ela, após ministrar um culto na penitenciária, ela e os pastores Carlos Serejo e César Dias foram chamados por Cabral. O ex-governador, então, teria pedido a eles que assinassem o documento formalizando a doação — o papel estava redigido —, acrescentando que o equipamento já havia sido comprado pelos presos. Clotilde disse que se sentiu “ludibriada” por Cabral e que pensava “apenas em ajudar os demais presos, na condição de religiosa”. O pastor Carlos Serejo corroborou a declaração e afirmou que Cabral disse que precisaria de “um termo de doação pró-forma”. Antes mesmo de a suposta doação ser formalizada, o home theater ficou guardado na sala do subdiretor da cadeia.
“Portanto, não se tratou de uma mera falta de cuidado, ainda que inapropriada e inescusável, já que diretor e subdiretor da unidade prisional de Benfica agiram de forma ostensiva, com evidente má-fé, em prol da consecução do evento delitivo. Não há dúvidas de que o réu Sérgio Cabral foi orientado sobre o procedimento a ser adotado para garantir a aparência de regularidade ao simulacro de doação”, diz a peça do MP-RJ.
RELAÇÃO ESTREITA
A falta de controle sobre a circulação de Cabral e outros detentos é outro ponto criticado pelo Ministério Público. A ação destaca que as câmeras mostraram o ex-governador recebendo uma encomenda na área externa do presídio e entregando um envelope ao interlocutor, que, em seguida, parece contar dinheiro — os promotores classificam o encontro como um exemplo do “ambiente de permissividade deliberada”. A norma em vigor exige que qualquer pacote a ser entregue aos detentos deve passar antes pela direção da unidade.
A relação próxima entre Cabral e Erir Ribeiro Costa Filho, que foi comandante da Polícia Militar no governo do peemedebista, também é apontada. Um funcionário de Bangu 8 relatou que o secretário e o ex-governador conversaram por 15 minutos, sozinhos, durante uma ida de Costa Filho a penitenciária, no ano passado. Para os promotores, os benefícios ofertados a Cabral são resultados do “grau de comprometimento do réu Erir Ribeiro com os esquemas previamente ajustados com o réu Sérgio Cabral, sendo aquele personagem indispensável à chancela dos privilégios conferidos a este”.
A Seap disse que só vai responder quando for notificada.A defesa de Cabral ainda não tivera acesso aos autos.