Grupo de evangélicas se une para lutar pela legalização do aborto: ‘Nosso direito’

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“Legalizar o aborto é compreender que a vida precisa ser preservada. A legislação que temos hoje sobre o tema potencializa a morte. Ela não impede que aconteçam abortos e ainda mata mulheres. Queremos uma fé que dialogue”, afirma Camila Mantovani, de 24 anos, uma das fundadoras da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. O movimento, que surgiu em São Paulo, está se espalhando rapidamente para outras cidades do país.

Fundada em 2017, a Frente, segundo Camila, partiu de mulheres que lutam pela legalização do aborto e, naquele ano, se depararam com argumentações de viés religioso contrárias a ADPF 442 (ação proposta pelo PSOL que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana gestação no STF). “Nos chamou a atenção posicionamentos que falavam em nome de todas as religiosas. Achamos aquilo absurdo e compreendemos a importância de nos organizarmos e mostrarmos que o campo religioso e, especificamente o evangélico, é muito diverso no país”, destaca.

Segundo a fundadora da Frente, elas trabalham por meio do diálogo com as igrejas evangélicas sobre a importância de mudança na legislação como forma de garantir a vida. Camila explica que elas abordam assuntos como justiça reprodutiva, violência de gênero e direitos humanos. “Fazemos isso com base na nossa fé em Jesus Cristo. Compreendemos que ninguém avança em garantia de direitos nesse país se a disputa de consciência não for travada no campo religioso”, diz.

Ameaças

Camila relata que defender o tema da legalização do aborto é um risco para mulheres evangélicas, e que precisa ser acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos por conta das ameaças sofridas. De acordo com a jovem, muitas militantes da causa já receberam mensagens de ódio na internet, ameaças de morte e foram seguidas até suas casas.

“Os homens que detém o poder político hoje, dentro das igrejas ou fora dela, essas mãos que seguram a bíblia e legislam no congresso em nome de Deus, representam os que historicamente roubam nossos direitos e nossa dignidade. Mas ninguém pode ter o monopólio sobre o evangelho ou sobre Deus. É por isso que insistimos em ser igreja. Porque ninguém vai falar por nós”, finaliza.

"Nosso debate é sobre dignidade, ninguém pode decidir por nós" — Foto: Arquivo pessoal/Camila Mantovini

“Nosso debate é sobre dignidade, ninguém pode decidir por nós” — Foto: Arquivo pessoal/Camila Mantovini

Informação

A funcionária pública Thamires Moreira, de 21 anos, destaca o quanto também acha desafiador ter esse posicionamento seguindo sua religião. A jovem mora em Santos e vive com a família. Seu pai é pastor e sua mãe missionária e, por isso, ela afirma que foi contra a legalização do aborto até os 17 anos. “Pensava assim justamente por ter nascido em um lar cristão e ter sido condicionada a vida inteira às doutrinas religiosas. Acredito que 99% da minha igreja é contra a legalização. Falta um olhar mais empático com o próximo e estudar realidades divergentes”, relata.

A jovem conta que passou a questionar o que aprendeu e que seu pensamento mudou com a busca pela informação, quando conheceu realidades diferentes. Thamires afirma ter estudado o processo abortivo, lido artigos e assistido documentários sobre países que legalizaram o aborto e mulheres no Brasil que fizeram aborto clandestino.

“Entendi que o aborto só está matando a mulher pobre, já que mulheres de todas as classes fazem, porém a diferença social faz com que a rica tenha acesso a uma boa clínica clandestina e a pobre não”, explica. Segundo a jovem, ao estudar os métodos contraceptivos, ela identificou que nenhum é 100% eficaz e percebeu que o abandono paternal era algo comum. “Se o senado fosse composto majoritariamente por mulheres, o aborto já tinha sido legalizado. A mulher quer e deve decidir sobre o seu corpo, mas o machismo enraizado cria limitações”, diz.

"Vejo uma criança como uma benção quando se tem estrutura familiar, vontade de ser mãe e estabilidade financeira"  — Foto: Arquivo pessoal/Thamires Moreira

“Vejo uma criança como uma benção quando se tem estrutura familiar, vontade de ser mãe e estabilidade financeira” — Foto: Arquivo pessoal/Thamires Moreira

De acordo com Thamires, as justificativas que mais escuta em prol da criminalização do aborto é que a ação vai virar um método contraceptivo. “Acho uma inverdade porque, como mulher, não imagino um mundo em que eu queira me sujeitar ao processo abortivo corriqueiramente. Além de ser comprovado que em países em que se é legalizado, a taxa de abortos só diminuiu”, destaca.

Saúde Pública

Também evangélica, a estudante Larissa Santos, de 20 anos, acredita que as pessoas não devem olhar o tema apenas pelo olhar religioso, mas também pensando no bem coletivo. Para ela, a criação da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto é muito importante para união e defesa dos direitos femininos. “Na minha Assembleia, esse pensamento não é bem aceito porque as pessoas são muito conservadoras. A legalização para eles é como o fim do mundo”, relata.

Larissa acredita que a legalização é essencial para acabar com procedimentos desumanos, muito praticados em clínicas clandestinas. “Muitas pessoas podem achar que é uma contradição eu ser cristã e a favor da legalização do aborto, mas eu vejo por outro lado. Se na Bíblia está escrito que só Deus pode tirar e dar a vida às pessoas, lá também diz que temos livre arbítrio. Além disso, o Estado é laico, então a religião não deve interferir em decisões que são para todos”, destaca.

O Coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), Thomaz Gollop, de 71 anos, acredita ser importante descriminalizar o aborto, já que, por ser feito de forma insegura, tornou-se o quarto motivo pelo qual mulheres grávidas mais morrem. “Punir mulheres que abortam com cadeia é um posicionamento antigo que não reflete o que acontece na maioria dos países. Estamos falando de um assunto que é questão de saúde pública. Deve-se pensar na liberdade de escolha da mulher e na saúde dela”, finaliza.

Fonte: Globo.com

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